O
Sentido da Música |
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Você
gostaria de entender os sentimento que uma pessoa surda tem da música na
surdez completa?
Por
favor, ouça e leia esta história verdadeira e emocionante contada por ele próprio
- "O Sentido da Música".
O
Sentido da Música
Shaoyi
Chen
Se
é a luz o que um cego mais deseja, não há nada como a música para deixar
um surdo completamente louco! Quando eu estava estudando na Changchun
University, uma vez conversei sobre "Three days to see" (Três dias
para ver) de Helen Keller com um colega surdo. Eu perguntei a ele, "Se
você pudesse ouvir por três dias, como passaria o seu tempo?" "Eu
iria a uma sala de concertos," ele respondeu sem hesitar, "e ficaria
ali durante os três dias e noites!" Ele me contou que tinha perdido a
audição quando tinha menos de um ano de idade e que não tinha nenhuma
percepção de som. Ele estava ansioso por saber como seria a música.
Eu
também sou surdo. Porque eu adoeci e ensurdeci aos catorze anos,
Eu
não sei dizer se tinha ou não talento musical na infância. A educação que
recebíamos na escola não era mais do que uma aula de música por semana em
que aprendíamos algumas canções. Mas tudo aquilo marcou-me profundamente.
Durante o primeiro grau, uma orquestra foi formada na escola e eu me
surpreendi por ter tido a sorte de ser um dos escolhidos para tocar – eu
tocava cítara na posição central da orquestra.
O
professor encarregado da pequena orquestra era muito rígido conosco. Às
6:30, toda manhã, nós acordávamos para mais um dia de aulas, tínhamos que
correr algumas voltas na pista da escola e fazer alguns exercícios de
aquecimento, alongando e flexionando nossos dedos. Então íamos correndo
ouvir música e praticar com os instrumentos. A teoria musical era ensinada à
tarde, depois do período regular de aulas. Eu ainda me lembro do professor
anotando explicações na lousa tão rapidamente que nós quase não conseguíamos
acompanhá-lo se nos distraíssemos nem que fosse apenas um pouco. Aos poucos
eu fui adquirindo um profundo conhecimento de teoria musical.
No
ano seguinte eu fui acometido por uma catástrofe quando fiquei surdo
repentinamente e fui forçado a dizer adeus à música sagrada que havia em
meu coração. Como era o mundo quieto e silente? Era muito difícil de se
descrever. Parecia devastado pela seca – a terra ressecada que precisava ser
umedecida pela chuva e o orvalho. Também se parecia com uma piscina de água
congelada e estagnada, incapaz de gerar o riso fluido e prazeroso. A mim me
pareceu que a atividade desapareceu completamente do mundo por completo e que
a terra parou de girar. Tudo ao meu redor parecia irrelevante para mim, que
simplesmente sentia que o tempo era longo demais para se atravessar e que as
mudanças no mundo iam muito além das minhas expectativas, como se tudo
girasse ao meu redor. Nada era compreensível. No espaço territorial da minha
imaginação, algumas vezes o universo era infinitamente brilhante e, outras
vezes, a terra era estéril e árida.
Que
canções haviam se tornado populares parecia ser um assunto totalmente
irrelevante para mim. E sempre que eu via na TV ou em uma sala de concertos
algum cantor popular perdendo a cabeça diante de um público exultado, eu me
sentia especialmente diferente dos outros, só e sem saída. E então tudo o
que eu queria era rasgar os meus tímpanos abrindo-os ou me jogar sobre a
minha cítara e chorar. Nesse estado de tormento eu passei um ano. E mais
outro.
Mais
tarde, quando eu passei em uma livraria uma cópia do “201 Canções
Conhecidas de Todo o Mundo” (201 Well-known Foreign Songs) chamou a minha
atenção na prateleira. Eu dei uma folheada e li a música dentro do meu coração.
Eu tive a certeza de que eu poderia cantar as canções. No impulso do momento,
eu comprei aquele livro. Exatamente como se eu tivesse de repente encontrado o
meu amigo do peito depois de um longo tempo sem nos vermos, eu me voltava para
a música do livro em minha mente sempre que tinha algum tempo livre todos os
dias. Olhando para a música eu simplesmente me esquecia que eu tinha um par
de ouvidor surdos. Eu me sentia como se tivesse voltado aos dias livres,
felizes e alegres da minha infância. Era somente nesses momentos que eu
percebia quão límpido o céu se parecia, quão brilhante era o sol e quão
encantadores eram uma flor, uma folha de grama, uma árvore ou uma pedra.
Dessa forma, eu fui lentamente aprendendo a ler muitas canções.
Depois que eu entrei na faculdade, devido à pesada carga de estudos e ao
tempo livre muito limitado, eu praticamente parei de praticar e de cantar
novas canções. Mas uma vez que na faculdade muitos colegas cegos e
deficientes estavam aprendendo música como sua especialidade, eu felizmente
entrei para a vida musical. Eu emprestei deles livros como “Explicações
Detalhadas sobre Cem Canções Ocidentais Famosas” (Detailed Explanation of
a Hundred Famous Western Songs) que me permitiram compreender melhor a música,
os músicos e a história da música. No meu coração, Rafael e Thorvaldsen não
tinham nada de especial, mas eu admirava Pagnini, Schubert, Karajan e Menuhin
acima de todos!
O que quer que se perca é geralmente considerado como o mais valioso. Eu com
freqüência tinha uma fantasia incrível em minha mente. Se eu recuperasse a
minha capacidade de ouvir, eu iria, sem nenhuma sombra de dúvida, me tornar
um cantor e cantaria com o meu próprio estilo único. Esse era o meu sonho.
Quando eu lia um artigo em uma revista sobre o mundialmente conhecido tenor
espanhol Pavorotti, eu me apaixonava por ele imediatamente, pensando em como
seria se eu pudesse ouvir as suas canções. Quando eu vi o Michael Jackson na
TV, o conhecido cantor de rock americano, fazendo apresentações de caridade
para ajudar as pessoas na África que estavam passando fome e milhões de fãs
da música gritando e o aclamando, meu coração parecia se elevar e cair ao
mesmo tempo, como as ondas. Isso me fez, mais uma vez, sentir o grande poder
da música e o quão indispensável a música era na minha vida. Eu senti que
nada poderia ser mais feliz do que ser um músico apaixonado pelo seu público.
Quando eu estava fazendo um curso em design gráfico, nós tivemos um projeto
que consistiu na ilustração de um livro. Eu escolhi ilustrar "Biografia
de Beethoven". Eu pintei a estátua de gesso de Beethoven em azul claro
contra um fundo preto com uma moldura de um azul profundo ao redor dele e
escrevi o nome do livro em amarelo, simbolizando a luz de um abajur. Para
fazer o trabalho ainda melhor, eu emprestei muitos trabalhos de Beethoven dos
colegas da aula de música. Finalmente escolhi "Fate" entre as peças
musicais. Quando comecei o meu design, as notas saltitantes me trouxeram de
volta para as minhas memórias do passado. Uma canção calada se fez cantar
em meu coração e se manteve dentro de mim por um longo tempo.
Até agora, eu já passei por vinte longos anos de uma vida surda, o que
significa que a perda de um sentido não implica necessariamente na perda do
sentimento daquele sentido. Assim como o cego pode sentir os raios de sol por
receberem o seu calor e sentir a água de uma fonte por sentir o seu frescor,
os surdos, da mesma forma, têm a sua própria maneira de experienciar o silêncio
e curtir a música. Uma vez que o homem é um animal que pensa, mesmo a pessoa
que tenha deficiências físicas pode usar seu poder da imaginação e, se ele
tiver perdido um dos sentidos, pode treinar e aguçar seus outros sentidos. Além
disso, exatamente porque ele perdeu um tipo de vida pelo qual seu coração
anseia, sua experiência do mundo que o cerca pode geralmente ser até mais
requintada e até mais genuína e mais próxima da intuição. Portanto, ele
pode provavelmente ter sentimentos diferentes daqueles de uma pessoa sadia.
Um garoto bonitinho e esperto aproveitando a sua vida feliz, como faz qualquer
pessoa na sua idade, não era apenas excelente nos estudos, mas também fazia
parte da banda da escola! No entanto, aos catorze anos, ele perdeu a sua audição
por completo e então começou sua luta de constantes esforços contra as
conseqüentes dificuldades e empecilhos. Ainda assim, ele não se esqueceu nem
por um momento, mas ao contrário ficou ainda mais apaixonado pela música –
algumas vezes tida como sagrada em sua mente. Em seu tempo livre, tanto na
universidade quanto no trabalho, depois de formado, ele continuou a estudar música
e ano após ano construiu um anseio infalível pela música. Finalmente ele
percebeu que ainda que um homem se torne surdo como uma pedra, ele ainda pode
ouvir os ricos e coloridos sons do mundo desde que ele mantenha uma mente
nobre, com capacidade de discernimento, de bom coração, respeitosa e capaz
de ouvir com todo o seu coração.
Shaoyi Chen
Presidnt of Xi'an Association of the Deaf
Fucong Lu 1 Hao, Xianning Zhong Lu
Xi'an, Shaanxi Province710043
PEOPLES REPUBLIC OF CHINA